Fábio Roberto Notícias // Ilhéus . Bahia

Silêncio rompido: mulheres negras denunciam empresário por assédios, extorsão e cárcere privado

No mês de março, uma informação que causou perplexidade emergiu na comunidade local. À época, parecia apenas mais um rumor. Mas agora, com coragem e em nome da dignidade, as vítimas decidiram romper o silêncio. E o que elas revelam é uma história brutal de assédio, abuso de poder e violência — práticas sustentadas por um empresário branco que, enquanto se apresentava como benfeitor, destruía emocionalmente suas funcionárias.

O protagonista dessa denúncia é Marlon Silveira, dono da Massi Construtora & Incorporadora e do empreendimento Orquidário Bella Vista. O nome, já conhecido no setor imobiliário, agora se associa a algo muito mais sombrio: a desumanização sistemática de duas mulheres negras, que não performam os padrões sociais de feminilidade, submetidas a uma rotina de abusos que violava sua dignidade profissional, física e emocional.

“Ele me presenteava com chocolates, óculos, itens de papelaria — coisas que não dava a mais ninguém. Depois, passou a me humilhar, sobrecarregar e fazer comentários ofensivos sobre meu corpo, minha religião e minha aparência”, conta uma das vítimas.

Além das tarefas inerentes ao cargo, a funcionária era obrigada a realizar funções pessoais para o empresário, como lavar louça, buscar seu almoço e até levar seu carro para lavar — sempre sob intensa pressão emocional.

De acordo com os relatos registrados na Delegacia Territorial, o ambiente de trabalho era regido pelo medo. Gritos, acusações infundadas, constrangimentos públicos e falas humilhantes diante de colegas e clientes minavam diariamente a saúde emocional das colaboradoras.

O caso está sendo investigado com base nos crimes de extorsão (art. 158 do Código Penal), ameaça (art. 147) e práticas que configuram assédio moral.

A polícia já reuniu áudios, prints de conversas, declarações formais e outras provas robustas que revelam um padrão de conduta autoritário e abusivo.

A situação chegou ao extremo quando, após ser confrontado sobre seus abusos, Marlon teria coagido uma das vítimas a gravar uma falsa confissão de desvio de valores, sob ameaça — tentativa de criar uma narrativa distorcida e desviar o foco de seus próprios erros. Como se não bastasse, exigiu a entrega de bens pessoais como carro, moto e dinheiro, com a promessa de devolução que jamais foi cumprida. Esses bens, vale dizer, representavam não apenas patrimônio, mas a materialização de sonhos, de paz e de dignidade para as vítimas.

A primeira vítima, em especial, enfrentou o que o inquérito policial classificou como cárcere privado. Chegou a ser forçada a comunicar falsamente ao Detran a venda de seus bens — ato que posteriormente conseguiu anular judicialmente, numa tentativa de reparar o que lhe havia sido tomado com chantagens e medo.

Em meio ao sentimento de impunidade, Marlon chegou a declarar que “resolveria as coisas do jeito legal ou ilegal”. A frase é mais do que uma ameaça: é retrato fiel da arrogância de quem age acreditando estar acima da lei, protegido por sua posição social e econômica.

O abuso também transbordava para além do local de trabalho: mensagens de teor sexual foram enviadas a uma das vítimas via Instagram, acompanhadas de insinuações ofensivas e humilhantes, agravando ainda mais o sofrimento emocional da jovem.

Outro elemento que reforça a gravidade do caso é o histórico de agressividade do empresário. Há relatos anteriores de episódios de violência física contra outros funcionários, ampliando o clima de terror e insegurança no ambiente de trabalho.

Por outro lado, as vítimas possuem histórico exemplar de vida e trabalho. São profissionais qualificadas, dedicadas e íntegras. E, talvez por isso, tenham se tornado alvos preferenciais de uma estrutura que insiste em punir quem ousa ser negro, competente e digno.

Importa destacar uma das funcionárias trabalhava no local há mais de três anos e a outra há cerca de um ano. Ambas, não apenas desempenhavam suas funções com zelo, como também detinham conhecimento relevante sobre irregularidades no empreendimento— fatos que, até o momento, seguem velados e aguardam apuração rigorosa pelas autoridades.

Mais do que um caso isolado, estes fatos escancaram os mecanismos de abuso de poder e violência estrutural ainda presentes em muitas relações trabalhistas. Um homem branco, com status e recursos, usou sua posição para transformar duas mulheres jovens e negras em bodes expiatórios, na tentativa de se blindar contra as consequências de seus próprios atos.

Estamos diante de uma história que não clama apenas por justiça individual, mas por um posicionamento coletivo da sociedade. As vítimas esperam — e merecem — uma resposta à altura da dor e da humilhação que sofreram. Que este caso sirva de alerta e que o silêncio, tão imposto a quem sofre, seja substituído pela denúncia, pela verdade e por justiça.

O caso segue em investigação. Esta reportagem seguirá acompanhando seus desdobramentos, na esperança de que, desta vez, a Justiça não falhe em ouvir o grito que foi calado por tanto tempo.


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