O ano de 1918 foi repleto de acontecimentos que influenciaram de maneira decisiva os brasileiros e o mundo. Foi o ano que a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim. Para o Brasil, o momento da chegada da “gripe espanhola” ao País, depois de ter provocado inúmeras vítimas pelo mundo afora.
Em Olivença, interior de Ilhéus, nascia Donatília Miranda de Góes. Filha de escrava e de um sergipano que fugia da seca do nordeste em busca de novas oportunidades de vida. Aos 12 anos, mesmo contra a própria vontade, já era levada para a mata de um pequeno pedaço de terra em Banco Central, à época um dos distritos mais prósperos de Ilhéus, para ajudar ao pai que comprara um pedaço de chão para recomeçar a vida.
Memória – Lúcida, hoje aos 100 anos, é ela mesma quem conta esta saga. “Queimava mata, plantava arroz, mandioca, aipim. Não gostava daquilo não, Mas meu pai dizia ´não vou botar trabalhador não. Vamos trabalhar, ´vombora´”, lembra até hoje. A saúde e a boa memória de dona Donatília impressionam. Ela não só lembra de datas importantes vivenciadas ao longo de um século de vida mas, também, corrige com uma segurança de dar inveja, quem comete um erro na informação transmitida.
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Nos últimos dias, cercada de familiares, Donatília comemora seu centenário, ocorrido no último dia dois. Será uma semana inteira de comemorações e reúne em Ilhéus a maior parte dos seus descendentes: seis filhos, 25 netos, 43 bisnetos, 14 tataranetos. “Tá chegando mais gente”, faz questão de frisar.
Liberdade – Donatília mora no tranquilo loteamento São Domingos, litoral de Ilhéus. Não aceita “presentes” do tipo “uma bengala”, ou algo que chame a atenção para a sua idade. Caminha sem ajuda, anda de ônibus (acompanhada), se alimenta e se banha sozinha. É independente e toma conta da casa. A pressão arterial é perfeita. Colesterol e triglicerídeos, normais.
No início desta entrevista lhe foi oferecida uma cápsula de vitamina C. Uns cinco minutos depois, quando iniciamos o bate-papo, voltaram a lhe oferecer um copo com água. E ela foi enfática: “vocês esqueceram que acabei de injerir líquido?”. Ah sim! A água tem um detalhe: foi uma vida inteira sem ser gelada. “É natural que faz bem, meu filho”, disse.
Preferências – Sem chance, também, para qualquer tipo de comida industrializada. Carne cozida é a predileta. Se for churrasco, só “bem passado”. Frutas? Ela mesma dá a lista: “abacate, laranja e banana. Nesta ordem”, assegura. Dona Donatília nunca fumou, mas o fumo de corda por muitas décadas foi utilizado como produto para a escovação dos dentes.
O vinho é a bebida favorita. Nas festas, os filhos e netos têm que pedir para ir embora. Senão ela fica até o fim. E se hoje há um medo, é o medo do mar. “Fico zonza quando olho”, justifica.
Vida – Neste momento em que a vida é uma festa a ser amplamente comemorada, ela não abre mão de fotos, muitas fotos, acompanhadas de sorrisos, incontáveis sorrisos. Fala de tablet e celulares com a mesma desenvoltura com que lembra de quando era pequena e não tinha transporte fácil para vir até a cidade.
Lembra que um tio, José Alves Júnior, o “Tio Cuti”, viveu até os 110 anos. Afirma com orgulho que é prima do jogador Edilson “Capetinha”, ex-seleção brasileira. E faz planos para as próximas comemorações pós-centenário.
Dona Donatília é passado, presente e futuro. É a vida que chegou aos 100 repleta de saúde, carinho dos familiares, e com a certeza de que a cada fotografia registrada e a cada sorriso dado, ela renova a esperança na vida.
Porque para ser feliz é preciso apenas ter a vontade e a determinação de ser. E dona Donatília simboliza a essência de tudo isso.